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Rusgas na via pública?

2024-12-23 6 minutos de leitura Analise

Procure as diferenças

O que distingue estas duas fotos? Serão apenas alguns factos e a coloração da mais recente?

Piotrków Trybunalski, Polónia, 1939-1945 Lisboa, Portugal, 2024
rusga em rua na Polónia rusga na Rua do Benformoso
Forças de ocupação Nazi Polícia de Segurança Pública
À procura de judeus À procura de imigrantes ilegais ou criminosos
A opressão do conquistador A opressão de quem age inconstitucionalmente sem pudor nem medo de represálias

Não deveria ser necessário mais nada, mas como há pessoas que encolhem os ombros dizendo que não se importavam de ser sujeitos a tal rusga por não terem nada a esconder, sinto uma necessidade de expressar a minha opinião.

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Mas afinal…

Porque me parece que esta operação especial foi incostitucional?

Na minha opinião isto representa um autoritarismo com piscos de inveja do poder dos ditadores, à margem de vários artigos da Constituição da República Portuguesa (que também tem os seus defeitos por “dar” direitos em vez de assumir a sua pré-existência e proibir que os mesmos sejam restritos, como a dos EUA).

Lá porque eventualmente ali seria natural encontrar estrangeiros (não acredito que todos se tivessem naturalizado), não quer dizer que tenham menos direitos! De facto, a CRP garante os mesmos direitos:

Artigo 15.º (Estrangeiros, apátridas, cidadãos europeus)

  1. Os estrangeiros e os apátridas que se encontrem ou residam em Portugal gozam dos direitos e estão sujeitos aos deveres do cidadão português.
  2. Exceptuam-se do disposto no número anterior os direitos políticos, o exercício das funções públicas que não tenham carácter predominantemente técnico e os direitos e deveres reservados pela Constituição e pela lei exclusivamente aos cidadãos portugueses.

E poderiam ser suspensos por uma operação especial como (primeiro) se vangloriaram e (depois) se defenderam as autoridades?

Artigo 19.º (Suspensão do exercício de direitos)

  1. Os órgãos de soberania não podem, conjunta ou separadamente, suspender o exercício dos direitos, liberdades e garantias, salvo em caso de estado de sítio ou de estado de emergência, declarados na forma prevista na Constituição.

Claramente não foi tal situação, se estiver enganado agradeço o link para a declaração de estado de sítio ou de emergência, que não me apercebi do discurso do Presidente da República.

Ser mandado parar, encostar as mãos à perede sem resistência para ser revistado é para mim ser-se vítima de um trato cruel e degradante, duas coisas proibidas pela CRP:

Artigo 25.º (Direito à integridade pessoal)

  1. A integridade moral e física das pessoas é inviolável.
  2. Ninguém pode ser submetido a tortura, nem a tratos ou penas cruéis, degradantes ou desumanos

Mais ainda, não poderiam ser discriminados apenas por não serem brancos puros, ou suspeitar não serem cidadãos… Estar na via pública não é de forma alguma suspeição de crime, tal como não o é a cor da pele, que não passa de um mero atributo físico hereditário tal como a cor do cabelo ou dos olhos.

Artigo 26.º (Outros direitos pessoais)

  1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

Também não tenho conhecimento de qualquer sentença judicial condenatória, ou aplicação judicial de medida de segurança contra os presentes numa qualquer via pública.

Artigo 27.º (Direito à liberdade e à segurança)

  1. Todos têm direito à liberdade e à segurança.
  2. Ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de acto punido por lei com pena de prisão ou de aplicação judicial de medida de segurança.

Sim, este artigo tem exceções mas vejamos:

  1. que «flagrante delito» praticavam todos os presentes nas ruas sujeitas à operação especial?
  2. que «fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponda pena de prisão» estavam aquelas pessoas todas a fazer para merecer a exceção?
  3. houve decisão judical sobre todos os presentes nessas ruas por terem «penetrado ou permaneça(m) irregularmente no território nacional ou contra a qual esteja em curso processo de extradição ou de expulsão»?
  4. todas essas pessoas são militares a necessitar de medida disciplinar?
  5. algum tribunal decretou que eram todas menores de idade em carência de medidas de proteção, assistência ou educação?
  6. todas essas pessoas desobedeceram a alguma decisão em tribunal?
  7. que motivos causaram suspeição dessas pessoas todas para que tivessem de ser identificadas à força? Não eram branco-tuga, e por isso provavelmente cometeram algum ato ilícito?, foi isto?
  8. aquelas ruas são estabelecimentos terapêuticos adequados e todas aquelas pessoas eram portadoras de anomalia psíquica?

Acho improvável qualquer uma destas exceções, mas não sei… posso estar errado.

E por fim…

… a cereja no topo do bolo sobre a inconsititucionalidade desta ação é que foi violada uma garantia constitucional sobre o direito de deslocação. Apesar do artigo 44º mencionar «todos os cidadãos», recordo o Artigo 15º com que esta análise começou… os estrangeiros gozam dos mesmos direitos que os cidadãos.

ARTIGO 44.º (Direito de deslocação e de emigração)

  1. A todos os cidadãos é garantido o direito de se deslocarem e fixarem livremente em qualquer parte do território nacional.
  2. A todos é garantido o direito de emigrar ou de sair do território nacional e o direito de regressar

Com isto tudo, e dado que foram as próprias autoridades a exercer tais atos bárbaros, pode ser conveniente relembrar a todos, cidadãos e não cidadãos, que a CRP nos concede o direito de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

ARTIGO 21.º (Direito de resistência) Todos têm o direito de resistir a qualquer ordem que ofenda os seus direitos, liberdades e garantias e de repelir pela força qualquer agressão, quando não seja possível recorrer à autoridade pública.

Post Scriptum

Em 2007, vários anos passados após o 11 de Setembro, fui expulso da via pública por um agente da PSP com metrelhadora ao peito, apenas porque aguardava pela boleia de um amigo no passeio da Avenida dos Combatentes, perto da Embaixada dos EUA.

Perdoem-me não ter resistido pela força, a minha cobardia perante uma metrelhadora ao peito limitou-me a solicitar a identificação ao agente. Já perdi o bloco de notas onde tinha o seu nome registado, mas tenho a certeza que o mandaram fazer isso e não era minha intenção responsabilizá-lo pessoalmente. Confesso que acabei por nada fazer para além de descrever o que se tinha passado.